Estamos no final da temporada olímpica, isso significa que minhas redes sociais transpiram esportes de todos os tipos. Nesse período todo mundo entende tudo de ginástica, skate, judô, natação e surfe, conhece todos os atletas e torce enlouquecidamente para ver a Bandeira Nacional subindo no ponto mais alto do pódio, embalada pela trilha sonora do Hino Nacional.

Mas, claro, continuamos sendo o país do futebol. Assim que as olimpíadas acabarem, a maioria desses esportes será esquecida pelo mainstream e os atletas voltarão a treinar em condições precárias (ou treinar fora daqui) ou a não receberem o investimento necessário para se desenvolverem no esporte.
Certo, essa não é uma newsletter sobre olimpíadas, mas sobre literatura. Hoje só quero repetir o óbvio (que não é: temos muitos esportes, invistam em todos), mas sim: temos muitos gêneros e subgêneros literários, não nos reduzam ao mínimo. E não, essa newsletter também não é uma crítica, apenas mais um texto sobre “romances de época não são romances históricos”. E sobre como eu, Tatiana, não sou ela, Jane Austen.

Livros não possuem classificação indicativa. Isso é coisa do audiovisual. Livros se diferenciam uns dos outros e se mostram adequados a um público e outro por meio de sua categorização. Quando entramos em uma livraria, vemos tudo lindamente distribuído em estantes que ocupam paredes inteiras e achamos o que queremos ou precisamos de acordo com a categoria em que os livros são arrumados. Romance? Tem uma estante de romance estrangeiro e nacional. Fantasia? Tem também. Livros para crianças? Vai no infantil.
A categorização de livros é mais importante ainda nas livrarias virtuais, que não possuem prateleiras para folhearmos as obras e nos localizarmos espacialmente. No espaço virtual onde tudo se mistura e confunde, encontramos os livros usando chaves de busca nem tão bem elaboradas assim (quem nunca procurou por “filme daquele ator x” ou jogou um trecho da letra da música no Google que atire a primeira pedra) e navegamos por categorias.
Parece fácil, mas ainda não contei que cada livraria pode ampliar, reduzir ou modificar as “categorias básicas” que conhecemos (a maioria construída sobre o gênero literário que se quer classificar) e que essas categorias sofrem o efeito da tradução quando pensamos em livrarias multinacionais como é o caso da Amazon e da Kobo. Fica ainda mais difícil quando lembramos que, na Amazon, autoras independentes podem publicar seus livros nas categorias que quiserem, porque depende delas marcar o “X” na caixinha disponibilizada por eles.

Isso não apenas pode confundir as leitoras como também pode enganá-las, fazendo acreditar que uma coisa é outra coisa e que romances de época são ou livros históricos, ou romances antigos publicados por escritoras antigas. Em resumo: quero deixar claro que meus livros não são nem um pouco parecidos com os de Jane Austen (talvez só um pouquinho, mas é pouquinho mesmo!) e estão distantes dos da Phillipa Gregory. Ah, agora sim estou falando de mim!
Os romances de época se enquadram no que conversamos na newsletter de 23 de julho sobre romance de mulherzinha. São romances, acima de tudo, de acordo com a conceituação da Romance Writers of America1, escritos por autoras contemporâneas, que vivem presencialmente o século XXI e que escolheram situar suas histórias no passado. Para o próprio RWA, o romance de época tem como cenário épocas posteriores a 1950.
Por que estou citando o RWA? Porque o Brasil não dita as regras do romance de época. Os conceitos e as tendências vêm de fora, mais especificamente dos Estados Unidos. As leitoras que consomem esse subgênero, consomem o estilo que vem de fora e as autoras brasileiras que escrevem esse subgênero também se baseiam no que vem de fora. Inclusive, essa é uma das razões pelas quais é tão difícil vermos romances de época situados fora da regência e da época vitoriana na Inglaterra (uma tendência claríssima de mercado que reproduzimos muito bem).
Se o romance de época é um livro escrito por autoras contemporâneas cujo enredo é situado no passado, já podemos afirmar que romances de época não devem se confundir com aqueles escritos por autoras do passado que situaram seus enredos no presente (delas). Jane Austen viveu entre 1775 e 1817 e escreveu romances que se passaram nesse período. Orgulho e Preconceito, por exemplo, foi publicado em 1813 e retratava a sociedade inglesa da época. Os livros dela foram escritos na linguagem utilizada por Jane e dentro das regras que ela jogava.

Ou seja. Jane Austen não escreveu um romance de época, mas um romance (da época). E está tudo bem, só que estamos falando de estilos muito diferentes. Os romances de época, apesar da ambientação, costumam tratar de temas com os quais nós, mulheres do Século XXI, conseguimos nos identificar. Também são, via de regra, subversivos da moral patriarcal daquele período, possuem linguagem mais leve e são bem apimentados, com aquela dose deliciosa de sensualidade. Romances de época são escritos por mulheres “de hoje” para mulheres “de hoje”, mesmo que falem de mocinhas “de ontem”.
Uma confusão ainda pior decorre da nossa importação do que tem nos Estados Unidos, provocada por uma deficiência de tradução. Lá eles não têm romances de época, mas historical romances. Aqui, temos tanto romance de época quanto romances históricos que, de romance, não têm muita coisa. Dava para termos evitado essa, não dava? Só que não evitamos e, por vezes, a leitora se frustra por querer ler uma coisa e se deparar com outra.
Romances históricos, no Brasil, não têm foco no romance e não precisam de final feliz. São livros que até podem narrar histórias de amor, mas não são sobre elas. O ponto central dos romances históricos são o próprio fato histórico sobre o qual falam, como uma guerra mundial ou um episódio específico da história da humanidade. Se a gente pensar direitinho, eles não são romances no sentido que o RWA considera, não é mesmo?
Em resumo, temos
Romances de época, que são romances com foco na história de amor e no final feliz, escritos geralmente de mulheres (atuais) para mulheres (atuais) e com histórias situadas no passado (antes de 1950);
Romances, escritos por mulheres do passado, com histórias situadas no passado (que era o presente delas), mas que são clássicos e, por isso, lidos e comentados até hoje;
Romances históricos, escritos por autories atuais, mas com histórias que focam em um fato histórico e não possuem nem foco no amor, nem necessariamente final feliz.
E por que estamos falando sobre isso pela centésima vigésima vez? Porque eu escrevo romances de época, vejo essa confusão nos olhares das leitoras e o quanto isso as afasta do meu livro. A leitora que quer um “romance de mulherzinha”2 pode achar que, se abrir um romance de época, vai se deparar com um tratado sobre a monarquia inglesa e correr para longe dele. Só que isso não vai acontecer, porque nesses livros (os romances de época), ela encontrará intrigas sobre casais (da nobreza ou não), muita safadeza (na grande maioria), cenas divertidas e piadas, um bocado de drama da vida real e personagens com quem ela certamente se conectará.

Eu sinceramente pensei que Bridgerton serviria para eliminar essa dúvida nas leitoras, mas já passamos a terceira temporada e isso não aconteceu. Acabei percebendo que o público do audiovisual é mesmo bem distinto do público leitor.
Até semana que vem =)
A definição de romance para o RWA é: uma história que possui enredo centrado em uma história de amor com um final satisfatório e otimista, que, para eles, é o “felizes para sempre” ou o “felizes por enquanto”. ↩︎
Se não sabe do que estou falando, convido a ler minha newsleter de 23 de julho =) ↩︎
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