top of page

O fim chegou e ninguém morreu

Foto do escritor: Tatiana MaretoTatiana Mareto
O Twitter morreu. 

Atenção, leitoras. A newsletter de hoje tem fontes, claro, mas é uma ode à minha percepção de longuíssima data como usuária assídua de redes sociais, principalmente a do passarinho. Podemos concordar em discordar e debater com respeito e argumentos nos comentários, ok? 


Não foi semana passada, com o bloqueio provocado por decisão do STF, mas quando a rede foi comprada pelo bilionário Elon Musk. Naquele momento ele matou o único espaço em que as pessoas falavam sozinhas, reclamavam o tempo todo e eram fictamente felizes em seus mundinhos isolados.

A morte do pássaro do twitter. Fonte: Wikimedia
A morte do pássaro do twitter. Fonte: Wikimedia

O Twitter era a melhor rede social para quem só queria falar, falar, falar e não ser perturbado. Poucos caracteres, o que evitava o famigerado textão, sem a possibilidade de fios, sem palanque político. Com o passar dos tempos, novas funcionalidades foram sendo adicionadas e novos usuários, principalmente perfis de notícias e celebridades, surgiram na rede. Até que ela se tornou um espaço de muito discurso, pouco entendimento e nenhum controle sobre conteúdo. 


Deixou de ser Twitter (a rede do passarinho) e se tornou o X, uma identidade genérica e esquisita, com mais publicidade do que era possível tolerar e com tantas funções pagas inúteis quanto se pode esperar. O símbolo de verificação, por exemplo, antes concedido como selo de veracidade de um perfil, passou a custar dinheiro e perdeu completamente seu significado. 


O Twitter se transformou em um esgoto nuclear a céu aberto, tóxico e repleto de robôs coordenados para espalhar mentiras e atacar quem se utilizava de determinadas palavras-chave. Foi palco das maiores fake news da história política mundial recente e se tornou um solo fértil para os cancelamentos e linchamentos virtuais.


Lá se concentrou também uma grande comunidade literária, que se autodenominava Booktwitter e que também tinha o seu lado feio para mostrar: era o booktwitter que protagonizava os maiores linchamentos virtuais da comunidade literária. Os trending topics permitiam que leitoras e autoras se concentrassem em posts virais e condenassem sem julgamento, cancelassem sem conhecer os fatos e reproduzissem todo tipo de discurso violento.

O mais interessante de tudo isso é que o Booktwitter era considerado aquele lugar em que tudo que acontecia lá permanecia lá, como Las Vegas. Pessoas que passavam muito tempo na rede podiam até acreditar que o mundo inteiro discutia aqueles mesmos assuntos ou lidava com aqueles mesmos problemas. Só que não. 


O Booktwitter sempre foi um espaço meio que “à parte” dos outros (tanto aqui quanto no exterior). Eu, que estou em tantas redes quanto consigo estar, sempre notei que polêmicas levantadas lá não chegavam nem ao Facebook, nem ao Instagram. Alguns debates acalorados (que escalavam para xingamentos e cancelamentos de livros ou autoras com uma frequência assustadora) não saíam dali para o mundo e atingiam muito pouco a realidade das coisas. 


Em algum momento isso mudou, e a mudança foi bem radical desde 2022, quando o Twitter começou sua descida para o inferno e seu processo de decomposição. Considerando o paradoxo de que a rede perdeu mais de 70% de valor de mercado, ela também parece ter ampliado o seu eco para outras partes e com isso notei um crescimento da importância (?) que vinham dando ao conteúdo do Booktwitter. 


Claro que não foi somente o Booktwitter que teve sua voz aumentada. A própria rede ganhou mais espaço na mídia (outra vez, o paradoxo valor econômico versus valor social) e o discurso de lá deixou o confinamento para intoxicar os mais diversos ambientes. 


A rede agora está dormente, bloqueada em razão de disputas que não cabem ser comentadas nessa newsletter. Muitos discutem se será o fim do Twitter (mesmo que ele já tenha morrido e sido enterrado sem honrarias de Estado) e o que faremos sem ele, mas a verdade é que o fim chegou e ninguém morreu. Há outras redes, outros espaços, outros lugares para ocuparmos porque o mercado não deixará de oferecer serviço a quem deseja consumi-lo. 


A questão é o que faremos com esses novos espaços: vamos usá-los como se fossem redes de conexão e contato entre pessoas ou criaremos uma nova indústria nuclear para contaminar toda a internet?


Post Scriptum: a questão Nano. 

Chegou hoje ao meu conhecimento que estão “cancelando” (e nem é no Booktwitter) o NaNoWriMo por causa de uma nota em que eles declaram não condenar o uso de inteligência artificial por escritores e outros profissionais do mercado literário.

Eu também não condeno. 


A discussão sobre inteligência artificial no mundo literário tem beirado ao absurdo de tão superficial. Muitos dos participantes do debate não sabem nem o que é inteligência artificial nem se dão conta de que já fazem uso de ferramentas de IA há algum tempo. Vários confundem o uso de IA com o ChatGPT (que é apenas uma das muitas ferramentas disponíveis) e acreditam que todo conflito se dá porque autores publicam livros e mais livros que foram escritos por IA (e não por eles). 


Sim, isso é verdade. A própria Amazon, paraíso da autopublicação, estabeleceu uma proibição de publicação de mais de 3 livros por dia no KDP. Claro que um ser humano não escreve, edita, revisa, diagrama e publica 3 livros por dia, então supomos que esses livros estão sendo escritos por… máquinas. 


Mas essa é apenas uma das questões (talvez a mais relevante no momento) que envolve o uso de IA por escritoras. Quem é autora independente por vezes usa softwares de revisão (que têm IA), de diagramação (que podem ter IA), de edição de imagens (adivinhem: IA!), e tantas outras ferramentas tradicionais que são muito úteis na hora de elaborar um roteiro ou uma história. 


Não é porque usamos IA que nossos livros foram escritos por IA. 


O que precisamos é de debate intenso por todo mundo envolvido. Precisamos de regulamentação para o uso ético da IA e de transparência (as pessoas têm o direito de saber se o livro foi ou não escrito por um ser humano, afinal). Precisamos de espaços de discussão aberta e franca sobre IA e não conseguimos porque a simples menção da expressão inteligência artificial invoca uma horda de canceladores que automaticamente nos consideram “menos autoras” e silenciam os argumentos com ofensas pessoais. 


As tecnologias estão aí. Não vão retroceder. Cabe a nós decidirmos como usá-las de maneira ética e justa.


 
  1. Uma boa fofoqueira não revela suas fontes, portanto vocês terão que acreditar em mim.

  2. O NaNoWriMo é o National Novel Writing Month, uma comunidade que se considera com o objetivo de reunir e incentivar autores a escreverem suas histórias. Eles possuem desafios e eventos e o mês (inter)nacional de escrita acontece em novembro.

Comments


  • TikTok
  • Amazon
  • Telegram
  • Instagram
  • Facebook
  • Pinterest

Tatiana Mareto @ 2020 - Todos os direitos reservados.

 

As obras deste site estão protegidas pela Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), independentemente de registro.​

bottom of page