Eu queria muito falar das bienais. Queria mesmo, porque a Bienal do Livro de São Paulo está se aproximando e eu tenho coisas a falar. Só que ainda dá tempo, então vou aproveitar que a “treta” em alta no meu Threads é sobre autores nacionais que dão chilique por causa de avaliações negativas e filosofar um pouco sobre como livros não são microondas.
Alerta de gatilho: aqui eu emitirei opiniões fortes e contundentes sobre minha visão das avaliações de livros e sobre autoras que reclamam disso nas redes sociais. Se você é sensível ao tema, recomendo não prosseguir na leitura.
Minhas amigas já conhecem essa frase, eu falo sempre nos infinitos áudios que compartilhamos quando debatemos sobre mercado literário, sempre relacionada a como avaliações de livros são subjetivas, individuais e um espaço da leitora, não da autora.
Não é de hoje que as avaliações de produtos no mundão virtual gera polêmica, principalmente quando não são verdadeiras. Em 2021, o Exame publicou uma matéria informando que a Amazon encontrou registros de mais de 13 milhões de avaliações fraudulentas, em que vendedores oferecem produtos gratuitos em troca de reviews positivos na plataforma. Em 2023, a mesma Amazon começou a usar a inteligência artificial para ajudar na detecção de avaliações falsas, mostrando que o problema não só persiste como é difícil de ser resolvido.

A avaliação de um produto serve para elevar a sua reputação, fazer com que ele seja recomendado a mais potenciais compradores e direcionar a compra, já que produtos “cinco estrelas” atraem certamente mais interesse. Parece consequencial que as avaliações negativas derrubem o produto e também fomentem um mercado paralelo de fraudes com o objetivo de afastar a concorrência, não é mesmo?
Desde que a Amazon se tornou a plataforma preferida das autoras independentes, em razão do KDP, e os ebooks se popularizaram, o problema das avaliações também se tornou um problema do mercado literário. As resenhas, que pertencem regularmente a blogs e sites literários, não apenas migraram para as redes sociais como o Instagram, elas também passaram a frequentar os espaços de venda dos ebooks em formato de “estrelinhas”.
Sim, eu sei que sempre demos estrelinhas para livros, mas em espaços distintos, específicos para leitoras se manifestarem com suas opiniões, não nos Jogos Vorazes da Amazon. Quando o componente financeiro está envolvido, as coisas ficam muito mais sangrentas. Hoje, muitas autoras medem a popularidade e o sucesso de um livro pelos reviews da Amazon e pelo famigerado ranking, cujo “selinho de mais vendido” parece estar sendo distribuído na feira livre da cidade. E, assim como outros produtos, a plataforma impulsiona livros (que são produtos, afinal) que estão mais bem avaliados e dá aquele shade nos livros 1 estrela.
Terreno fértil para plantar confusão, não acham?
E é aqui agora que o assunto da newsletter finalmente chega (vocês já devem estar se acostumando que sempre temos um longo e sinuoso prelúdio até o assunto principal porque, bem, tretas precisam de contexto!): livros não são qualquer produto, mesmo que sejam, e as avaliações dos livros não são objetivas a respeito do seu design e funcionamento. Livros tocam pessoas, mexem com sentimentos, canalizam emoções e provocam erupções.

Um livro é (ou deveria ser?), antes de tudo, uma obra de arte. Autoras são, antes de tudo, artistas. Livros não têm uma função específica como esquentar comida, fritar batatas ou tirar o pó da casa. Quando avaliamos livros, não consideramos se ele cumpriu a função para qual se propunha, mas se ele apertou aqueles botõezinhos que temos aqui dentro. Livros precisam nos fazer sonhar, delirar, gritar, chorar, gargalhar e até mesmo desejar atirá-los na parede. Provocam sensações e tocam nosso espírito — coisa que, imagino, um microondas não seja capaz de fazer.
Não passamos dias e mais dias sonhando acordadas com um microondas, não queremos falar do nosso aspirador robô para todas as pessoas na rua (bem, depende, eu amo realmente meu aspirador robô!) e não escrevemos mil fanfics mentais para nosso novo fogão de cinco bocas.
Essa percepção nos conduz à conclusão de que a avaliação de um livro é, além de subjetiva, um espaço da leitora. É ela que sente, que ama e odeia. É ela que precisa expressar esse sentimento e por isso corre lá e faz uma resenha — seja positiva ou negativa.

Sigo firme na minha crença de que autoras nem mesmo deveriam ler reviews de seus livros porque esses não foram escritos para elas. Resenhas são conversas de leitoras com outras leitoras, aquela ocasião em que uma está contando para a outra o que achou da leitura e daquele livro em especial.
Amei, leia você também!
Detestei, como a autora fez isso? Passe longe.
É bom, mas talvez não seja ideal para quem não gosta de determinado tema.
Há também outros elementos que compõem a subjetividade de uma opinião sincera sobre um livro: o momento da leitura, o gênero do livro, o estado de espírito de quem lê. Livros nos tocam de formas distintas em momentos distintos e por motivos distintos. Quem nunca amou um livro odiado ou odiou um livro amado? Quem não se apaixonou pelo personagem que todas detestam ou odiou a passagem que todo mundo sublinhou? Não se trata de ser diferentona ou especial, mas de que nem sempre um livro é para todas.
E tá tudo bem, certo? Então qual é o problema da autora que reclama publicamente porque recebeu quatro estrelas? Peguem um café. A polêmica começa agora porque tenho alguns pontos a dizer sobre isso.
Primeiro ponto: não sei se foi a pandemia ou se é geracional, mas as pessoas estão com muita dificuldade de compreender que existe o Outro (aquele que não sou eu) e que esse Outro só existe porque é diferente de mim. Sabem aquele ditado popular “o que seria do azul se todos gostassem do amarelo”? Pois é sobre isso. Pessoas são diferentes (pasmem!) e têm opiniões diferentes sobre quase tudo.
Segundo ponto: seu livro pode ser bom, querida colega autora, mas nem todo mundo vai gostar dele. Tem quem vá odiar. Detestar. Achar a pior leitura da vida, uma experiência horrorosa. Depois que você coloca seu livro no mundo (ainda concordamos que livros são produtos?), as leitoras terão as mais variadas experiências em relação a ele e não temos definitivamente como controlar nada disso.
Terceiro ponto: nem toda resenha negativa é uma conspiração interplanetária para derrubar nosso livro da Amazon porque, atenção!, os aliens provavelmente nem sabem que existimos. Tem gente que simplesmente não gostou do que leu e estava com o dedo nervoso para apertar uma estrela, foi lá e fez. Consumidores têm direito de avaliar produtos da forma que quiserem e cabe a nós entendermos que não é nosso espaço de comentar, reclamar, criticar e questionar.
Quarto ponto e o mais doloroso dele: às vezes o nosso livro é mesmo ruim. Ponto final, parágrafo. Por mais subjetividade que uma resenha de livro possa conter, algumas coisas interferem diretamente na experiência de leitura e vão provocar reviews negativos, como livros cheios de erros gramaticais, sem planejamento, com personagens unidimensionais, capa de estética duvidosa, e por aí vai. Tem livro que está mal avaliado porque não é bom e é apenas isso.
Quinto ponto e prometo que é o último: eu sei que a mão que pesa sobre autoras nacionais é bem mais pesada do que a mão que pesa sobre autoras internacionais. Nossos livros sofrem muito mais julgamento do que os livros gringos e isso é realmente algo que podemos debater e que está relacionado, sim, à cultura de que o que vem de fora é sempre melhor. Mas não, leitoras não precisam ter empatia e ser gentis com livros nacionais apenas porque eles são escritos por autoras brasileiras. Nossa nacionalidade não nos dá o privilégio de não sofrer críticas. Leitoras têm o direito de detestar e avaliar mal livros nacionais assim como livros gringos e não dá para morrer de ego ferido quando isso acontece nem achar que elas precisam ser condescendentes só porque autora independente sofre. Leitoras deveriam nos avaliar bem porque nossos livros merecem boas avaliações e é por essa bandeira que luto sempre.
Ah, a Tatiana deve estar falando isso porque ela tem livros bem avaliados, livros best-sellers, já recebeu selinho, bla bla bla. Não. Eu estou no bolo das que lutam e das que sofrem. Das que estudam o mercado todo dia e estão exaustas de serem escritoras, produtoras de conteúdo e marketeiras. Meus livros possuem todo tipo de avaliação, desde as cinco estrelas (essa obra mudou minha vida!) até as uma estrela (que livro ruim, pior leitura do ano!). Leitoras amam e odeiam meus livros assim como amam e odeiam outros livros. Meu lugar de fala é o de todas nós que atualizamos o relatório KDP cinco vezes por dia e lamentamos as leituras pífias quando dá 22h.
A questão é que livros não são microondas. Nem sempre colocar o melhor produto que temos no mercado vai gerar resenhas cinco estrelas e quando eu compreendi isso a minha fadinha da inspiração agradeceu bastante.
Recomendações da semana:
Essa newsletter da Lyara Vidal me tocou profundamente em um ponto que está me perturbando desde o início do ano. Disponível, mas a que custo?
A Heidi Borges recomendou, no Threads, o livro Como um Romance, de Daniel Pennac, em que o autor elenca os dez direitos do leitor. O livro está esgotado, mas dá para tentar adquirir em sebos. Deixo para vocês um artigo de três bibliotecárias analisando a obra, vale cada linha de leitura.
תגובות