top of page

Usain Bolt versus Eu, Robô

Foto do escritor: Tatiana MaretoTatiana Mareto

Estou em duas redes sociais muito similares em aparência e nada parecidas em conteúdo: Twitter (porque me recuso a chamar de x, Elão que lute) e Threads. A primeira é antiga, estou nela desde que tudo era mato e quando a gente falava sozinha e era feliz. A segunda… bem, ela é um delírio do Marquinhos que não sabe lidar com o fato de que não é o único gestor / criador de redes sociais. Curiosamente, apesar das semelhanças, o Threads parece estar anos luz atrás do Twitter em discussões sobre literatura e mercado1 literário. 


Ou seja, quando um debate chega no Threads, ele já está acontecendo a todo vapor no Twitter, ou já se encerrou por lá. Estar nas duas redes me coloca em um paradoxo de tempo que me joga no olho do furacão de uma delas logo após de sair de outra. E, recentemente, decidiram reavivar a eterna perene discussão permanente da velocidade de leitura.


Foto de Braden Collum na Unsplash
Foto de Braden Collum na Unsplash

Essa é realmente uma questão que nunca me atingiu. Eu leio quando estou disponível, interessada, com vontade de ler, a fim de um livro. Não leio por metas, como se estivesse em uma disputa com outras leitoras na intenção de exibir minhas habilidades de Ayrton Senna da literatura. 


Pode ser porque, na minha época, a gente mal tinha acesso a livros. Eles eram todos impressos e vendidos apenas em livrarias físicas, ou seja, não tinha Amazon nem Submarino. Não tinha nem mesmo internet para publicar as bravatas da minha saga de leitora, quanto mais para comprar livros. Também pode ser por isso que eu devorava os romances de banca, mais acessíveis e disponíveis em todo lugar. 


Hoje as pessoas precisam mostrar tudo o que fazem nas redes. Também precisam competir por tudo nesses mesmos espaços. Leitura está virando, ou já virou, uma corrida de velocidade (a la Usain Bolt) e não mais uma maratona, em que o importante era chegar até o final inteira. Com isso, temos leitoras dinâmicas, que só leem diálogos ou apenas “passam os olhos” nas páginas procurando “parágrafos interessantes” para ler. Sim, tem isso. Eu vi no Threads e, se está nas redes sociais, deve ser verdade.2


Tem as leitoras de ChatGPT que pedem para o software resumir o livro e leem apenas aquele resumo. Não nego que isso já existia na minha juventude (lá pela casa dos 20 anos), mas a gente dependia de uma boa alma que lesse, resumisse (manualmente) e publicasse em um blog. E, claro, as leitoras de resumos, assim como antigamente, não contam nos seus posts que leram apenas o resumo, né? Fica feio.

“Tudo o que precisamos é mais likes” Foto de Daria Nepriakhina na Unsplash
“Tudo o que precisamos é mais likes” Foto de Daria Nepriakhina na Unsplash

Esse fenômeno dos Usain Bolts e Eu, Robôs da leitura também está do outro lado: nas autoras de livros. A velocidade de escrita é um tema que sempre me rodeia nos espaços em que estou porque as leitoras ou se surpreendem porque escrevemos muito rápido ou se incomodam porque demoramos demais a lançar um livro novo.


Esses dias discutíamos por aí sobre velocidade de escrita (não foi no Twitter nem no Threads, mas poderia ter sido). Acho que estamos sempre discutindo esse assunto, principalmente depois que a Amazon proibiu que se publiquem mais de três livros por dia. Sim, vocês leram corretamente, três livros por dia. Claro que um ser humano não consegue escrever nessa velocidade, nem se não fizer absolutamente nada além de respirar. Esses livros são criados por inteligência artificial e tem entulhado a plataforma desde a popularização de ferramentas do tipo ChatGPT.


Claro, também, que a Amazon não está preocupada em banir os livros escritos por IA e não faz um controle muito bom, mas, em um mundo em que os números e as quantidades estão deixando todo mundo meio adoentado (e a newsletter da Aline Valek de uns dias atrás fala muito bem sobre isso), autoras e leitoras passam bastante tempo nas redes sociais discutindo sobre a velocidade em que se pode escrever e lançar um livro, além do quanto isso afeta o mercado.

“Segurança em primeiro lugar. Seja cuidadoso. Essa máquina não tem cérebro, use o seu”.
“Segurança em primeiro lugar. Seja cuidadoso. Essa máquina não tem cérebro, use o seu”.

Leitoras lendo cada vez mais rápido e um mercado tóxico, que premia (!!) produtividade em excesso em detrimento da qualidade (!!!) produz autoras que escrevem em uma velocidade incompatível com a vida. Em relação à escrita, muitas reclamações de burn out e muito sofrimento, também, porque não tem como continuar alimentando esse mercado devorador de histórias sem adoecer no processo.


A roda do mercado literário gira muito rapidamente como tudo no mundo atual. Livros não estão mais sendo apreciados e degustados, mas engolidos com a velocidade do almoço da semana, que tem que acontecer em 15 minutos porque o restante do tempo usaremos para outras coisas. Isso vem temperado pela principal responsável pelo sucateamento dos ebooks e aniquilação das livrarias no mundo, a Amazon. Ao mesmo tempo que popularizou a publicação por permitir o acesso a autores independentes, fomenta uma competição nada saudável que alimenta o sistema e garante que a plataforma sempre tenha novidades a oferecer (não importa a que custo).

A Pesistência da Memória (1931) de Salvador Dalí
A Pesistência da Memória (1931) de Salvador Dalí

Não posso nem começar a explicar o quanto isso afeta as autoras que estão nessa pela arte e não pelo produto. Aquelas que produzem com suas próprias mãos (e cérebro) as histórias e, mesmo usando das mais variadas tecnologias, ainda são as responsáveis pelo que publicam. Autoras que escrevem os próprios livros (e acho que isso ficará demodê em alguns anos) com histórias retiradas da própria cabeça, nutridas lentamente pela fadinha da inspiração e pela musa3. Tenho a sensação de que a literatura, o escrever livros, foi cooptado integralmente pelo tal mercado e que hoje não importa mais a nossa arte, apenas a velocidade em que entregamos o produto.


Recomendações da semana: 

  • O lançamento da Karina Heid, Em Busca do Romance Perdido, conta a história da Dra. Vivian Saad e do ranzinza Eike Ross em uma expedição no Egito.

  • A pré-venda da Stefany Nunes, O Cavalheiro Apaixonado, é o terceiro livro da série Darling Love sobre o romance de Charles Maxwell e Penelope Heart.

  • O Caminho do Artista, de Julia Cameron, não é um livro novo, mas me ajuda sempre a me reencontrar com minha musa e a superar eventuais bloqueios.

  • Na dificuldade de encontrar livros sobre estrutura literária que sejam específicos para romances, encontrei esse aqui da Gwen Hayes: Romancing The Beat. Ele traz uma proposta interessante para autoras de romance e consulto toda vez que começo um livro novo.

  • Eu tinha “preconceito” com a Ali Hazelwood porque ela estava na moda (isso diz bem mais sobre mim do que sobre ela, ok?), até dar uma chance ao Levi. Foi paixão à primeira vista, então, se você ainda não conhece a Ali, fica a dica: leia A Razão do Amor!

Comments


  • TikTok
  • Amazon
  • Telegram
  • Instagram
  • Facebook
  • Pinterest

Tatiana Mareto @ 2020 - Todos os direitos reservados.

 

As obras deste site estão protegidas pela Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), independentemente de registro.​

bottom of page